Talvez não estejamos nos dando conta, mas Alagoinhas está sofrendo de alzheimer social. Isso está acontecendo em todo o canto, é do mundo ocidental. As pessoas vivem presas em um presente eterno. No entanto, em cidades onde existe uma cultura intelectual forte, há um grupo ou segmento responsável por produzir a memória coletiva. Toda a intelectualidade está atenta a ela e o ente público faz sua parte promovendo museus, pesquisas e publicações, como ocorre aqui na Bahia em Salvador, e mais timidamente, em Feira de Santana e minimamente em Juazeiro, Itabuna e Vitória da Conquista.
Infelizmente em Alagoinhas, nossa intelectualidade hoje é bastante dispersa, pulverizada e cada um vive olhando para seu próprio umbigo. Nossos acadêmicos são todos de Salvador, não vivem, não convivem, não militam em favor da nossa cultura.
Essas cidades interioranas são peculiares, pois tiveram culturalmente uma forte influência regional. A história do sul do estado é a história do cacau e a história do cacau é a história de Itabuna/Ilhéus. Há uma continuidade cultural, como a pecuária em Vitória e o velho Chico e o sertão em Juazeiro. Também os líderes locais terminavam sendo líderes regionais. Em Alagoinhas pode ter sido assim na época da laranja, do curtume ou do fumo, quem não conhecia Pedro Saturnino ou Júlio Carmo?
Há mais de 50 anos que Alagoinhas perdeu esse protagonismo regional, entretanto mantendo o papel de cidade polo. Como não investimos na construção da nossa memória, que o diga Iraci Gama, grande lutadora desse segmento, somos uma cidade sem referenciais. Iraci Gama, com suor e lágrimas, está finalmente produzindo um livro sobre a história da ferrovia para diminuir esse passivo. Já existem conversas, inclusive, para tratar sobre a história do jornalismo alagoinhense. Lithu Silva já está preparando um livro sobre nossas origens tupi/africanas. Sim, e Bruna (do teatro, do Reggae Zambé) fez recentemente uma monografia e um documentário sobre Antonio Mário, nosso expoente/pai da cultura municipal. Nem tudo está ainda perdido.
Este preâmbulo é preciso para denunciarmos a verdadeira agressão à nossa cidadania que representa o nome de Rui Albuquerque e o seu tradicional jornal, o Folha da Terra, estar circulando em uma delegacia de polícia como um bandido por exercer, como sempre fez brilhantemente, seu nobre papel de jornalista. Se Alagoinhas tivesse memória, um vereador de baixo clero não teria a empáfia de oferecer queixa de tão ilustre alagoinhense, nem o policial a registraria. Claro que se ele o merecesse, que cada um cumprisse com o seu dever – ninguém está acima da lei, mas de forma alguma por motivo banal, interpretativo/subjetivo, diria até medíocre e mesquinho. Na realidade uma tentativa de intimidação e silenciamento, coisa de tiranetes mesmo.
Sem a memória coletiva plenamente cultivada, os vereadores de intelecto pouco dotado não têm como saber que a cidadania, em nome da qual ele exerce, de forma tão limitada e servil, seu mandato deve-se a pessoas e a jornalistas como Rui Albuquerque, Walter Campos, Belmiro Deusdete etc.
Conheceria também a história da própria Câmara de Vereadores e procuraria honrá-la. Pois é preciso dizer, graças a Rui Albuquerque, o jornalismo cidadão, bem plantado desde os primórdios, não morreu com a extinção do Alagoinhas Jornal. Ele, junto com Belmiro, na rádio, foram seus continuadores e tudo de bom que existe na nossa vida pública vem da coragem de homens e mulheres como Rui, Totinha, Aidé Amorim, Normândia Azi, a própria Iraci Gama, Antonio Fontes, Fernando Aranha, Marco Antunes, Elionaldo Faro, Pedro Marcelino, Luiz Ramos, Chicão do movimento Afrodescendente, Josival Fagundes, Haroldo Azi e tantos outros.
Alagoinhas tem história e agredir ardilmente, de forma volitiva, e até irresponsável, a imagem de Rui Albuquerque, é manchar, é cuspir nessa história. É preciso ir além, fazer isso por desconhecê-la é o maior atentado à democracia e um sinal de que corremos perigo de adentrarmos no caos social. Alagoinhas precisa se levantar diante dessa indignidade. Thor de Ninha e Juci Cardoso subscreverem uma nota de repúdio atacando Rui Albuquerque é pisar e sapatear na história da esquerda de Alagoinhas, dando continuidade aos vários atos contra esta daquele que tão brutalmente a desonrou e desonra por seu reconhecido egocentrismo. Se unem a eles os demais vereadores, tanto da oposição, quanto da situação, que com um viés extremamente corporativista pariram aquele mal fadado ataque a liberdade de expressão;
Que fez Rui Albuquerque? Disse que a parede azul era azul, reproduziu a fala de uma liderança empresarial da cidade. O jornalista não pode usar como elemento causal um conceito popular, mas citar um conceito popular como desdobramento de uma causa é óbvio que é legítimo. Os vereadores não darem a devida clareza e sentido a suas ações permitiu que tal conceito fosse criado pela população e quem o mencionou foi o entrevistado, de maneira ilustrativa como disse, tanto que o período está aspeado. Será que os vereadores não dominam o português no seu aspecto mais elementar? De nada duvido mais.
Os vereadores que foram à delegacia e a própria Câmara de Vereadores, que fez a nota de repúdio, devem milhões de desculpas ao grande jornalista. Rui é uma escola de jornalismo e um exemplo de cidadania. Ao invés da delegacia, seu nome estaria na cadeira mais alta da Secom em uma cidade de brio e que bem cultivasse sua vida intelectual. A comunicação da cidade neste momento deveria estar fazendo uma contranota à Câmara de Vereadores e em repúdio ao Boletim de Ocorrências lavrado, um verdadeiro acinte. Algo asqueroso demais.
Estamos vivendo tempos sombrios, com tiranos brotando aos montes de todos os cantos. Deveríamos estar todos juntos combatendo esse aviltamento da liberdade de expressão. Se fizeram esta vileza contra Rui Albuquerque, poderão também fazer amanhã com qualquer outro que tiver a coragem de carregar a sempre pesada bandeira da verdade. Não temos medo de tirania, quando passarmos a temê-la é porque já não mereceremos sermos chamados de jornalistas. Que cada um também honre o papel que lhe cabe perante a cidadania e a democracia. Temos uma sociedade a zelar, o que só pode ser feito com valores claros e intransponíveis. Vamos nos curar desse alzheimer social tão logo e por todos.
Texto escrito por Paulo Dias, jornalista graduado pela UFBA, especialista em pedagogia, mestre em critica cultural pela UNEB e subescrito por toda equipe do site News Infoco com aval do nosso editor chefe, Caio Pimenta






























