A Justiça baiana autorizou uma gestante moradora da cidade de Acajutiba, a cerca de 180 quilômetros de Salvador, a interromper a gravidez de um feto diagnosticado com síndrome de Patau, anomalia cromossômica que provoca deficiência mental grave e defeitos físicos e que, na maioria dos casos, resulta na morte dos bebês.
A decisão, proferida na quarta-feira (28), foi assinada pelo juiz José Brandão Netto, então substituto da Comarca da cidade de Esplanada, da qual Acajutiba pertence.
O magistrado disse, em entrevista ao G1 na sexta-feira (2), que foi comprovado por meio de relatórios médicos que não havia possibilidade de o feto viver fora do útero. A mãe, de 23 anos, está com 29 semanas de gestação. Ela não teve identidade divulgada.
Segundo o juiz, o atestado médico aponta que o feto apresenta restrição do crescimento intrauterino, holoprosencefalia alobar (quando o cérebro não se divide completamente, e resulta em significativas alterações faciais), microftalmia hipertelorismo (malformação do crânio que causa um afastamento dos olhos e das órbita oculares em excesso), nariz com narina única, osso nasal ausente, polidactilia bilateral em mãos (quantidade anormal dos dedos das mãos), entre outros problemas.
“O médico atestou que o feto não tinha como ter ‘vida extrauterina’. Ela [a mãe da criança] procurou o Ministério Público junto com o marido e autorizaram a promotora a ajuizar a ação para a Justiça autorizar a interrupção da gravidez”, afirma o juiz.
A decisão permite que a interrupção da gestação seja feita em um hospital ainda a ser definido pela mãe da criança. “A decisão autoriza [a interrupção da gravidez]. Fica a critério da gestante e do médico de fazer”, explicou o juiz.
Na decisão, José Brandão Netto fez uma analogia à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a interrupção de uma gravidez com feto anencéfalo não é crime.Verificando-se que a morte do concepto, após o parto, é evento certo, sendo que, no atual estágio de desenvolvimento da medicina, não há recursos que possam garantir uma sobrevida prolongada à criança, não há como impor à gestante o sacrilégio de carregar em seu ventre um feto inviável, apenas por preciosismo legislativo”, justifica o magistrado.
O juiz diz ainda, na sentença, diz que “negar a possibilidade de interrupção da gravidez representaria extrema crueldade com a gestante, com alto risco de vida na manutenção da gestação e com grave comprometimento psicológico, na medida em que, além dos riscos da gravidez, no presente caso haveria violação ao princípio constitucional da dignidade humana”. Não há informações se a gestante já interrompeu a gravidez.
Doença O médico Manoel Alfredo Curvelo Sarno, professor adjunto em obstetrícia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e especialista em medicina fetal, que assinou o relatório que embasou a decisão judicial, diz que a síndrome de Patau é uma doença rara, que pode acometer um entre 4 mil ou 5 mil bebês.
O especialista, que atua na Maternidade Climério de Oliveira, em Salvador, onde a mãe que teve autorização da Justiça para interromper a gravidez foi atendida e recebeu o diagnóstico do problema da criança, explica que sempre quando fica diagnosticado que o bebê não terá condições de sobreviver, a mãe pode dar entrada com processo na Justiça para interrupção da gravidez. “A gente já faz essa abordagem há mais de 10 anos.
A gente faz o diagnóstico e caso encontre situações desse tipo, casos incompatíveis com a vida, quando se detecta que a criança pode nascer e sequer sair do hospital, não conseguir sobreviver, a mãe pode entrar com o processo.
Para isso, a gente faz o relatório, a paciente entra com a solicitação e, em até duas semanas, em média, eles dão uma resposta”, destaca. O especialista ainda diz que solicitações à Justiça para interrupções de gestações na Bahia não são raras. “As doenças são raras, mas os casos de pedidos para interrupções de gestação não. Como temos ambulatório que é referência no estado, acaba que os casos vêm da Bahia inteira. Então, temos casos de mães com bebês diagnosticados com doenças que não permitirão que eles sobrevivam toda as semanas. São dois ou três casos por semana, relacionados a doenças diversas.
Temos uma lista de patologias, que, inclusive, foi elaborada juntamente com o MP e que, caso alguma delas seja identificada, a ação na Justiça pode ser aberta”, diz. No caso da síndrome de Patau, explica o especialista, a pessoa tem três cópias de um cromossomo, em vez de duas. A probabilidade é maior de acontecer em bebês de gestantes com 40 anos ou mais.
A doença é irreversível, não tem cura. “É uma questão genética. Durante a gravidez, qualquer gestante pode ter alteração, independente de histórico. É um acaso. O cromossomo 13, ao invés de ter um par, tem uma trinca.
Para se ter ideia, é mais ou menos o que acontece com a Síndrome de Down, que é no cromossomo 21, mas o Down não é incompatível com a vida. A síndrome de Patau também depende da idade. Gestantes acima de 40 anos têm mais chances de ter um bebê com o problema”, diz.