Mudanças na distribuição de recursos da Lei Aldir Blanc têm provocado apreensão entre gestores estaduais e municipais, que recebem R$ 3 bilhões da União anualmente. Na última sexta-feira, o governo Lula publicou uma medida provisória que altera a legislação, criada na pandemia para socorrer o setor cultural.
A lei determina que o governo repasse R$ 15 bilhões a estados e municípios em cinco parcelas anuais de R$ 3 bilhões, até 2027. Com a medida provisória, o pagamento segue obrigatório, mas as parcelas não precisarão mais ser necessariamente de R$ 3 bilhões por ano, já que, segundo o governo, apenas R$ 208 milhões foram gastos até este momento.
Quase metade dos municípios brasileiros não tocaram nos recursos —São Paulo é o estado que mais tem dinheiro parado em valores absolutos—, o que os gestores atribuem a problemas estruturais e burocracias.
Agora, novas transferências só serão feitas quando os entes federativos tiverem usado os valores depositados anteriormente. Com isso, o governo decidiu congelar R$ 1,5 bilhão do repasse que seria realizado até o final deste ano.
Secretários de Cultura de estados e municípios afirmam que foram pegos de surpresa. Nesta quinta-feira (28), os gestores locais divulgaram uma carta aberta em que se dizem preocupados com as mudanças.
“A preocupação geral dos municípios é de que tenhamos a garantia dos R$ 15 bilhões num espaço de tempo viável”, diz Eliane Parreiras, secretária de Cultura de Belo Horizonte.
A gestora diz ser importante uma regulamentação para desfazer dúvidas sobre o texto da medida provisória. “A gente quer entender como esse recurso vai ser preservado e repassado aos entes federativos, porque isso não está claro ainda”, diz ela, que é presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura das Capitais e Municípios Associados.
O Ministério da Cultura nega, no entanto, que isso seja um corte e afirma que os recursos remanescentes serão transferidos no início do ano.
As mudanças na Lei Aldir Blanc acontecem no momento em que o Ministério da Fazenda discute um pacote de contenção de gastos para equilibrar as contas públicas. “Estados e municípios que estiverem executando os recursos no prazo recebem a integralidade dos valores”, diz Márcio Tavares, secretário-executivo da pasta. “Esse é um mecanismo de pressão pela boa gestão do investimento público.”
A respeito do baixo uso do dinheiro por parte dos municípios, Parreiras, de Belo Horizonte, diz que isso acontece em razão de dificuldades estruturais. Cidades pequenas, por vezes, não têm secretarias voltadas à cultura, o que dificulta a distribuição dos recursos.
“Mas existem cidades que, independentemente do tamanho, não estão empenhadas. Porém, na maior parte, há um compromisso enorme de executar os recursos.” Secretário de Cultura do Espírito Santo, Fabricio Noronha diz que os estados não devem enfrentar dificuldade com as novas regras, por terem uma estrutura administrativa robusta.
“Mas os municípios me preocupam muito”, afirma ele, que preside o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura. “A gente pode penalizar quem tiver mais dificuldade com a falta de recurso no outro ano.”
Autora da lei Aldir Blanc, a deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ) diz ser importante que as gestões municipais priorizem políticas voltadas à cultura.
“É preciso haver um monitoramento do MinC sobre isso, mas é muito importante que as gestões locais fortaleçam a capacidade de execução desse recurso”, diz a parlamentar. “[Os produtores] estão desesperados por recursos. Às vezes, o que não tem é resposta das gestões locais.”
Articulador do Fórum de Artes do Litoral, Interior e Grande São Paulo, Caio Martinez diz que a letargia no repasse dos recursos expõe a falta de profissionalização da gestão cultural no país. “Não adianta passar o valor para municípios e estados se eles não tiverem plano, fundo e conselho de cultura”, diz ele. “Se não há uma estrutura para mediar o repasse dessa verba, fica muito complicado para a pessoa que está na ponta.”
Bahia Notícias