Neste Dia da Consciência Negra, a Comunidade do Buri celebra sua certificação como comunidade remanescente quilombola pela Fundação Cultural Palmares, conquista histórica que reforça a ancestralidade e a identidade negra do território. Poucos dias antes da celebração, no último 13 de novembro, a equipe da assessoria de comunicação da Câmara Municipal esteve no Buri, onde o fotógrafo, arquiteto e pesquisador Raimundo Cavalhier apresentou os espaços da comunidade, compartilhou a história local e explicou o processo que levou ao reconhecimento oficial do quilombo.

Durante a visita, o polímata (pessoa que possui conhecimento em diversas áreas do saber) conduziu um percurso pelos pontos mais significativos do território, contextualizando a luta que culminou na certificação. Ele destacou a importância da mobilização dos moradores. “O Buri sempre soube caminhar junto. Essa conquista não é de uma pessoa só. É fruto de uma luta coletiva.”

Responsável por conduzir o processo de certificação junto à Fundação Cultural Palmares, Cavalhier explicou que a mobilização envolveu rodas de conversa sobre identidade quilombola, oficinas de valorização da ancestralidade e um trabalho extenso de documentação com os mais velhos. “Fizemos entrevistas, registramos memórias, levantamos documentos e construímos, junto com o povo do Buri, um relato fiel da nossa história.”

A história da comunidade está presente até mesmo no nome. “Buri” tem origem na árvore Buriti, utilizada antigamente para cobrir telhados. O território já foi conhecido como Olhos d’Água do Buri, por conta de um olho d’água que existia na região, e também recebeu nomes como Jacaré de Dentro, Jacaré de Fora, Dendê e Sapé, conforme lembrança dos mais velhos. Segundo relatos, os primeiros moradores vieram de Cachoeira, fortalecendo a ligação do Buri com a ancestralidade negra do Recôncavo.

A cultura do Buri continua viva em práticas como o Samba de Viola, que acontecia de porta em porta, e no grupo Bafo da Onça, que movimenta o São João da comunidade. A capoeira também tem papel marcante, com o mestre Nego D’Água oferecendo aulas gratuitas para crianças e jovens. Raimundo reforçou a importância dessas manifestações. “Aqui nossas tradições não são só lembradas. Elas são vividas todos os dias. A ancestralidade está no campo, na capoeira, no samba e no trabalho comunitário.”A visita incluiu ainda uma parada no Rio Catu, espaço tradicionalmente utilizado para pesca, banho, rituais religiosos e trabalho das lavadeiras. Hoje, o rio sofre com desmatamento, assoreamento e impactos ambientais que reduziram seu volume. Em frente às margens, Raimundo lamentou as perdas. “Estamos perdendo o nosso rio. Com ele, vão indo tradições e culturas que fazem parte da nossa identidade.”

A economia local é baseada na agricultura familiar, com produção de farinha, beiju, tapioca e hortaliças, além do lazer comunitário e dos espaços que fortalecem a identidade local, como o campo iluminado e a quilomboteca, instalada na Escola Senhor do Bom Fim após reformas recentes.Resistência

Na oportunidade, o presidente da Associação de Moradores do Buri, Elielson Sampaio, relatou que a luta pela certificação teve início em 2009 e envolveu diversas lideranças ao longo dos anos. Ele destacou que, mesmo com dificuldades e resistência inicial por falta de informação, a comunidade passou a compreender a relevância do processo.

“Aos poucos o povo abraçou a causa. Hoje estamos felizes porque essa vitória é de todo mundo. Raimundo conduziu a reta final, mas muitas mãos ajudaram. É uma conquista coletiva e muito importante para o Buri”, declarou.

O presidente reforçou que o reconhecimento fortalece a comunidade para reivindicar melhorias. “Agora que somos quilombo, continuaremos lutando pela comunidade. É uma alegria enorme para todos nós.”

Ainda durante a visita, a moradora Marilizi Silva relatou sobre sua vivência no Buri, descrevendo o território como um lugar de convivência comunitária e acolhimento. “Morar aqui é como morar em família. Fomos acolhidos desde o início e conhecemos todos os moradores. É um lugar de cuidado e pertencimento”, contou.

Marilizi também comentou sobre avanços estruturais e desafios persistentes: “A escola foi reformada e a iluminação melhorou. Mas o rio sofreu muito com o desmatamento, pois o nível da água, que antes era suficiente para nos banharmos, hoje está muito baixo”.

A mobilidade urbana e a infraestrutura continuam sendo desafios importantes. Em dias de chuva, a estrada principal acumula lama e dificulta o acesso. A comunidade também reivindica reforma de praças, manutenção de abrigos de ônibus e continuidade das obras anunciadas. Reuniões da Associação de Moradores têm buscado fortalecer o diálogo com o poder público para atendimento das demandas.

Ainda assim, o Buri resiste e tem ampliado sua presença em agendas regionais e nacionais. A comunidade foi convidada para atividades na Serra da Barriga, em Alagoas, e recentemente recebeu a visita da comissária da Central Única das Favelas da França, interessada em conhecer suas tradições. Raimundo destacou o impacto dessa troca. “Nossa história tem importância não só para Alagoinhas. Estamos construindo pontes e mostrando a força do nosso território.”

Por fim, ao refletir sobre o Dia da Consciência Negra, Raimundo Cavalhier sintetizou o sentimento da comunidade. “O rio que esquece onde nasce seca e morre. A filosofia Sankofa ensina que nunca é tarde para recuperar o que ficou para trás. O 20 de novembro é memória, resistência, cultura e futuro.”

A certificação oficial marca um novo capítulo para o Buri e reafirma a potência de um território que preserva suas raízes, valoriza sua ancestralidade e segue construindo, de forma coletiva, o futuro da identidade negra em Alagoinhas.

Ascom – Câmara Municipal de Alagoinhas

Fotos – Jhô Paz