Um projeto que tramita no Senado coloca em risco um direito constitucional: o de cidadãos e empresas questionarem na Justiça o valor dos impostos que lhe são abusivamente cobrados. Além disso, pode acabar se associando a mais uma tentativa de reduzir a concorrência em setores de grande impacto no orçamento das famílias brasileiras, como o de combustíveis, incentivando a cartelização. Um projeto de lei de autoria da senadora Ana Amélia (PP-RS) concede poderes absolutos aos estados para punirem – até com o encerramento das atividades da empresa – o empresário que suspender, mesmo que com amparo legal, o pagamento de impostos. A punição poderá, conforme o projeto de lei, acontecer mesmo se o empresário conseguir a suspensão em caráter liminar, ou seja, até que o questionamento da legalidade de um tributo tenha o mérito julgado pela Justiça. É o que mostra reportagem de Ary Filgueira, Istoé. 

A medida está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) e atinge em cheio setores como o de bebidas, cigarros e de combustíveis. Se aprovada, a matéria pode significar uma vitória para os famigerados cartéis, como o das distribuidoras de combustíveis, que, apesar de possuírem volume de venda e arrecadação superiores ao dos varejistas, chamados de bandeira branca, pagam a mesma alíquota de tributos. Na justificativa apresentada no projeto 284/2017, a senadora gaúcha colocou no mesmo balaio das modalidades criminosas que lesam o consumidor – como adulteração de produtos – os recursos judiciais classificados por ela como “utilização abusiva de medidas judiciais para afastar a tributação, sonegação e o não pagamento sistemático de tributos”. Ana Amélia alega que o projeto objetiva atingir apenas os sonegadores de impostos. Não é verdade. Segundo estudo da UHY, o Brasil ostenta hoje uma das mais altas taxas de impostos corporativos do mundo, o que inibe o crescimento econômico. 

Ao conferir esse nível de poder aos estados, o projeto tornará inevitável o desaparecimento de muitas empresas em geral, incluindo as que hoje contribuem para dar alívio ao bolso do consumidor, com preços menores nos combustíveis, pois a maioria esmagadora delas é hoje autora de ações judiciais que questionam a aplicação de tributos responsáveis pelos elevados preços no mercado. Enquanto os pequenos questionam a legislação já existente, a fim de sobreviver à asfixia imposta pelos tributos, as gigantes se articulam para que a legislação seja feita para atender seus próprios interesses. Conforme ISTOÉ denunciou na edição 2528, de 6 de junho, em 2008 o lobby do Sindicato Nacional das Empresas de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) junto à Agência Nacional do Petróleo (ANP) modificou uma resolução do Ministério de Minas e Energia que garantia aos postos de gasolina escolher de qual distribuidora comprar combustível.

 

Por Ary Filgueira/Istoé