Quase dois meses depois de ser anunciada com destaque na posse do advogado-geral da União, Jorge Messias, o início dos trabalhos da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia é incerto, não tendo nem ainda começado as discussões do grupo que contribuirá para regulamentar a unidade. Isso acontecerá apenas no fim deste mês, quando também será anunciado o cronograma dos trabalhos do grupo.
A futura Procuradoria tem como principal objetivo atuar em nome da União em demandas de resposta e enfrentamento a desinformações sobre políticas públicas. Ao discursar sobre o tema na posse, Messias disse que ela iria “contribuir com os esforços de democracia defensiva e promover pronta resposta a medidas de desinformação e atentados à eficácia das políticas públicas”.
Sua criação, porém, virou alvo de críticas de parlamentares de oposição, que a viram como um aparato do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para promover patrulhamento e censura. À época, a AGU (Advocacia-Geral da União) reagiu e disse que “sob nenhuma hipótese” cerceará “opiniões, críticas ou atuará contrariamente às liberdades públicas consagradas na Constituição”. Foi anunciado que o modelo da Procuradoria passará por escrutínio de estudiosos, de associações e do público.
O grupo de trabalho que fará essas discussões e auxiliará na elaboração da regulamentação da Procuradoria, com integrantes da sociedade civil e dos poderes públicos, foi oficializado em 20 de janeiro. “A criação do grupo concretiza o compromisso da AGU de promover um amplo debate sobre as atribuições e funcionamento da Procuradoria”, disse o órgão, à época.
Desse grupo, participarão indicados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de associações de magistrados, de jornalistas e de integrantes do Ministério Público, além de acadêmicos de áreas relacionadas ao direito, à liberdade de expressão e à tecnologia.
A primeira reunião, porém, só acontecerá na manhã do próximo dia 28, quando a coordenação pretende divulgar o calendário de trabalho dos integrantes.
O grupo será dividido em três subgrupos temáticos, chamados Democracia, Integridade da Ação Pública e Legitimação dos Poderes; Democracia e Representação de Agentes Públicos e Democracia, Desinformação e Políticas Públicas. A partir de então, as datas previstas são incertas. “Ainda não há definição sobre a data de publicação da minuta de regulamentação”, diz a AGU, em nota, ao ser procurada pela reportagem.
Essa minuta será publicada ao fim dos trabalhos do grupo e ficará aberta ao público no site da AGU para consulta pública. Após essa consulta, voltará para avaliação de Jorge Messias. “A equipe da Procuradoria-Geral da União, área à qual a nova Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia está vinculada, trabalha para que a normatização do funcionamento da unidade se dê no menor prazo possível”, afirma a nota.
“No entanto, há a compreensão de que a regulamentação deve ser feita com critério e no tempo necessário para que reflita da melhor forma as contribuições que receberá no âmbito do Grupo de Trabalho (GT) constituído para esse fim.”
Desde o dia 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) depredaram as sedes dos três Poderes em um ato golpista, a AGU tem concentrado os trabalhos nas ações que pretendem responsabilizar civilmente os suspeitos e recuperar o prejuízo financeiro causado à União.
Inclusive, o futuro chefe da Procuradoria de Defesa da Democracia deve ser o mesmo integrante da AGU que assina as ações contra os golpistas, o atual procurador-geral da União, Marcelo Eugenio Feitosa Almeida. Uma das entidades procuradas para compor grupo de trabalho é a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Para a presidente da entidade, Katia Brembatti, o convite é “um avanço essas aberturas de negociação e de diálogo com o governo”, que, segundo ela, não existiam na gestão Bolsonaro. “Quando nos procuraram perguntando se a gente podia fazer parte, discutimos na diretoria e aceitamos porque a gente entende que participar do processo, contribuir e contestar é muito mais importante do que só reclamar da obra pronta”, afirma.
Ela diz que, na ocasião, pretende compartilhar um pouco da experiência da associação no combate à desinformação, mas deixará claro que a entidade “tem uma preocupação de como será o combate à desinformação por um órgão público”. A AGU, que é o órgão responsável por fazer a representação judicial do governo, tem dito que a atuação da nova Procuradoria será baseada em precedentes de tribunais, sobretudo do Supremo, e na atuação das agências de checagem de informações falsas.
O TSE tem desde 2019 um programa de combate à desinformação, que no ano passado contava com 154 parceiros, entre entidades públicas e privadas e até redes sociais e plataformas digitais, além de agências de checagem. Junto à Justiça Eleitoral, esses parceiros monitoram notícias falsas, que são coletadas e, a depender da gravidade, encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral e às demais autoridades para medidas legais.
No ano passado, porém, algumas medidas de combate à desinformação do TSE levantaram preocupação das empresas de tecnologia e de advogados eleitorais.
José Marques / Folhapress