Por muito tempo, Plínio Salgado parecia destinado a ocupar um lugar de destaque na literatura. Amigo do escritor modernista Menotti del Picchia, dedicou-se à poesia na juventude. Aos 22 anos, escreveu um dos sonetos mais citados pelos seus seguidores, a Canção das Águias, que termina com um chamado à batalha: “Grita, forceja, anseia e combate impoluta!/ Morre a lutar!/ Morre na luta!/ Mas, antes de morrer, tenta ainda voar!”
Nascido em 1895 na pequena cidade de São Bento do Sapucaí, no interior de São Paulo, Salgado era filho de um coronel de Exército e de uma professora primária, e publicou seus primeiros textos em um jornal semanal que ele próprio fundou – o Correio de São Bento. Sua obra de estreia foi o livro O Estrangeiro. Mas Salgado também quis, desde muito cedo, seguir uma carreira política. Em 1918, ajudou a fundar o Partido Municipalista, que reunia lideranças locais do Vale do Paraíba. As inclinações políticas o levaram à capital paulista. Lá, passou a escrever no Correio Paulistano e teve contato com as ideias do movimento modernista, em especial a vertente “verdeamarelista”, que valorizava a cultura nacional. Salgado criou então o chamado Grupo da Anta (o nome peculiar homenageava o animal que, segundo ele, era o mais importante na tradição tupi) e se dedicou cada vez mais a trabalhar em prol de uma “revolução nacionalista”.
Talvez o livro que mais bem resuma os dois interesses de Salgado seja uma coletânea de título sugestivo: Literatura e Política, lançado em 1927, reunia ensaios defendendo que as mudanças vistas ao longo da história são definidas pelas duas tradições. Ou seja, era necessário que os pensadores de um país “despertassem” para uma nova literatura e um novo pensamento político. Nessa época, Plínio já começava a se aproximar dos conceitos de unidade e valorização da raça que estavam em moda na Europa. No caso brasileiro, entendia, deveríamos exaltar os índios tupis, os autênticos representantes da identidade nacional. Se os nazistas buscavam a pureza racial, o caminho para formar um povo brasileiro “legítimo” era a miscigenação. Em 1928, foi eleito para um cargo político pela primeira vez: deputado estadual em São Paulo pelo Partido Republicano Paulista.
A guinada definitiva à direita se deu após uma visita à Itália, em 1930, quando conheceu de perto o regime de Benito Mussolini e concluiu que um sistema semelhante levaria o Brasil ao progresso. Curiosamente, Salgado regressou da Europa em 4 de outubro, um dia depois do movimento revolucionário que levaria Getúlio Vargas ao poder. Plínio havia apoiado Júlio Prestes, adversário de Vargas nas eleições.
Soldados de Deus e da Pátria
A chegada nada democrática de Vargas ao Palácio do Catete deu início a um flerte do governo federal com as ideias fascistas tão caras a Plínio Salgado. Mas ele entendia que era preciso avançar mais para se chegar a um Estado totalitário como a Itália. Por isso, em 1932, com um documento conhecido como o Manifesto de Outubro, a Ação Integralista Brasileira (AIB) foi fundada por Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso. Plínio foi escolhido como chefe nacional do movimento.
O discurso exaltava o nacionalismo, atacava o comunismo, defendia a necessidade de um partido único nacional e acrescentava tons de antissemitismo à mistura. Embora eles não pregassem abertamente a perseguição aos judeus, documentos integralistas afirmavam que a ruína econômica daqueles anos que seguiram a crise da bolsa de valores de Nova York em 1929 era causada pelo “capitalismo internacional” liderado pelo judaísmo. A organização também investia pesado em uma simbologia que incluía a cor verde, saudações e braçadeiras que lembravam as dos nazistas (veja o quadro ao lado). “O integralista é o soldado de Deus e da Pátria, o homem-novo do Brasil que vai construir uma grande nação”, prometia a AIB.
Os integralistas também sonhavam com uma “democracia orgânica”, na qual o voto deixaria de ser individual e passaria a representar setores da sociedade – geralmente, organizações de classe. Os sindicatos seriam mais adequados para representar os cidadãos do que os partidos existentes, de acordo com a filosofia integralista. Em vários aspectos, a ideologia se aproximava do pensamento do Partido Nazista da Alemanha, que também tinha “sucursais” no Brasil. Em algumas cidades, as sedes de ambos chegavam a funcionar lado a lado.
Apesar dessa proximidade, a Ação Integralista tentava – ao menos publicamente – se diferenciar dos alemães. Para consolidar sua ideologia nacionalista, era fundamental que fosse vista como um movimento inteiramente nacional, e não um subproduto de ideias estrangeiras. Havia, de fato, algumas distinções entre a AIB e os nazistas, como o conceito de raça e de participação política. Enquanto os nazistas não tinham interesse em participar de eleições no Brasil, a AIB sempre lançou candidatos. No que diz respeito à raça, a política de miscigenação promovida pelos integralistas causava calafrios nos nazistas, que temiam ser forçados a abandonar a homogeneidade étnica de suas comunidades em um eventual governo de Plínio Salgado.
Os integralistas tiveram sucesso meteórico em um Brasil que mudava rapidamente. A Revolução de 1930 enterrou de vez a “política do café com leite”, a alternância de paulistas e mineiros aristocratas no poder, e deixou um vácuo ocupado por novos movimentos no País – grupos que, agora, buscavam seduzir setores tradicionalmente excluídos do jogo eleitoral. Com um discurso contrário às oligarquias e aos “coronéis”, os integralistas rapidamente conquistaram apoiadores, não apenas entre homens de classe média (como seus fundadores), mas também de grupos que até então não costumavam ter voz na política, como mulheres, negros e jovens. Numa época em que os partidos podiam existir apenas em nível estadual, os dois extremos do espectro político cresceram vertiginosamente ao apostar em campanhas de filiação nacionais. O objetivo era, mais cedo ou mais tarde, suceder Vargas. De um lado, estavam os comunistas e sua Aliança Nacional Libertadora (ANL). Do outro, como alternativa conservadora ao regime, os integralistas.
Nos anos 1970, o historiador Hélgio Trindade entrevistou ex-membros da AIB a respeito de suas motivações para se juntar ao movimento quatro décadas mais cedo: anticomunismo, admiração pelos fascismos europeus e oposição ao regime de Vargas eram as principais bandeiras. Um ano depois da fundação da AIB, mais de 40 mil pessoas marcharam nas ruas de São Paulo para apoiar a candidatura do jurista Miguel Reale, ainda pouco conhecido, à Assembleia Constituinte de 1934. Aos 24 anos, Reale não foi eleito, mas os resultados vieram. Em 1936, o sucesso eleitoral em todo o País fez com que aquele ficasse conhecido como o “ano verde”: a AIB elegeu 20 prefeitos e cerca de 500 vereadores, além de quatro deputados estaduais, obtendo 250 mil votos no País inteiro – um número importante em uma época em que o sufrágio não era universal, e apenas 2,5 milhões de eleitores votavam. Nesse período, o total de integralistas no Brasil era estimado entre 600 mil e 1 milhão.
Às vésperas das eleições presidenciais prometidas por Getúlio Vargas para 1938, Plínio Salgado despontava como um dos candidatos mais fortes. A tendência era que concorresse ao cargo com o então governador de São Paulo, Armando Sales de Oliveira, candidato de oposição, e contra o situacionista José Américo de Almeida, ex-ministro dos Transportes de Vargas. Os três já traçavam suas estratégias quando, em novembro de 1937, o golpe do Estado Novo deu fim às pretensões.
Fascista, eu?
O golpe jogou na clandestinidade todos os partidos do Brasil. Enquanto Vargas dava início à fase mais ditatorial e repressora de seu longo governo, os integralistas fizeram duas tentativas desesperadas de tomar o poder: em 11 de março de 1938, tentaram ocupar uma estação de rádio e se infiltrar na Marinha do Rio de Janeiro, conquistando oficiais para a causa, mas não tiveram sucesso. Dois meses depois, em 11 de maio, veio a ação mais cinematográfica: um ataque ao Palácio da Guanabara, residência presidencial, com o objetivo de depor Vargas. Cerca de 80 integralistas conduziram a intentona, que foi facilmente debelada pelas tropas do governo.
O fracasso do Levante Integralista foi o enterro definitivo do grupo. Os líderes foram presos – Salgado negou qualquer envolvimento, mas também foi detido. Em junho de 1939, partiu para o exílio em Portugal, de onde só voltou sete anos mais tarde, quando Vargas havia deixado o poder. No retorno, após as derrotas de Hitler e Mussolini e a condenação de suas ideologias no mundo inteiro, o grande líder da extinta Ação Integralista se esforçou para esconder seu passado fascista, mas não abandonou a política: fundou o Partido de Representação Popular e continuou presente na vida nacional por mais três décadas.
Integralistas do século 21
O integralismo renasceu no Brasil em 2004, com a formação da Frente Integralista Brasileira (FIB), em um congresso realizado com o apoio da Casa de Plínio Salgado, entidade que busca preservar a obra do político. A FIB segue a doutrina dos integralistas originais, mas afirma não ser um partido político e nem ter laços com as siglas atuais, pois “atualmente não há qualquer partido que se aproxime das ideias integralistas”, segundo afirma em seu site oficial.
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Anauê!
As simbologias integralistas eram uma forma de distinguir seus membros e disciplinar a militância, além de disseminar os valores do grupo.
1- Sigma: presente na bandeira do movimento, é um símbolo matemático que representa a soma de várias partes, uma analogia aos membros da AIB e à ideia de um Estado único e integral.
2- Lema: Deus, Pátria e Família. Representam, respectivamente, aquele que guia o destino dos povos, o nosso lar e “o início e o fim de tudo”.
3- Bandeira: seu azul simbolizava “distância”, significando que o movimento não tem as limitações políticas dos partidos tradicionais, enquanto o branco seria o somatório de todas as cores (a ideia de união) e a pureza dos integralistas.
4- Anauê: saudação com o braço direito erguido, trazendo similaridade com o “Heil” nazista. Vem do tupi e significa “você é meu irmão”.
5- Hinos: o oficial chamava-se Avante, com letra de Salgado. O refrão prometia: “Avante! Avante!/ Pelo Brasil toca marchar/ Avante! Avante!/ Nosso Brasil vai despertar”. Era considerado a segunda música mais importante, abaixo do Hino Nacional, que não era cantado inteiro pelos integralistas – o verso “deitado eternamente em berço esplêndido” era evitado, entendendo que o País deveria estar sempre em pé para encarar os desafios.