Portaria sobre deportação viola Constituição, diz Defensoria Pública da União

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A Defensoria Pública da União elaborou uma nota técnica em que afirma que a portaria publicada nesta semana pelo ministro Sergio Moro (da Justiça e Segurança Pública) sobre a deportação de “pessoa perigosa” viola a Constituição e legislações sobre o direito migratório.

A análise, feita por coordenadores da DPU, afirma que a portaria 666/2019 fere diversos dispositivos da Constituição, da Lei de Migração (13.445/2017) e da Lei do Refúgio (9.474/1997). Segundo o texto, ficam prejudicados em especial a garantia do devido processo legal no âmbito migratório, o contraditório e a ampla defesa.

A portaria de Moro foi publicada no Diário Oficial da União na sexta-feira (26). O texto estabelece um rito sumário de deportação de estrangeiros considerados “perigosos” ou que tenham praticado ato “contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”.

A norma também trata de casos de impedimento de ingresso ao Brasil e de repatriação.

Segundo a portaria do Ministério da Justiça, que recebeu o número 666, ficam sujeitos ao rito sumário estrangeiros suspeitos de terrorismo, de integrar grupo criminoso organizado ou organização criminosa armada, e suspeitos de terem traficado drogas, pessoas ou armas de fogo.

A norma também se aplica a suspeitos de pornografia ou exploração sexual infantojuvenil e torcedores com histórico de violência em estádios.

Os técnicos da DPU criticam o uso da expressão “pessoa perigosa” por considerar que ela abre um rol amplo de hipóteses. Na visão deles, o trecho “remete às piores lembranças autoritárias do direito migratório brasileiro e ao já revogado Estatuto do Estrangeiro”, da década de 1980.

O documento chama atenção para o fato de a portaria criar um novo mecanismo no direito migratório chamado de “deportação sumária”. Os técnicos afirmam que o instituto não existe no ordenamento brasileiro e permitirá, com base em portaria ministerial, que qualquer imigrante esteja sob risco de ser deportado a qualquer momento “sob alegações genéricas de periculosidade, por meio de um processo administrativo materialmente inexistente, sem a adequada possibilidade de defesa e produção de prova e sem qualquer vinculação com a regularidade, ou não, de sua situação migratória no país”.

Outro alerta é sobre o enquadramento pelo texto de pessoas que são apenas consideradas suspeitas. Para os técnicos, isso fere o devido processo legal e o princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade previsto na Constituição. Além disso, o documento afirma que a Lei de Migração é taxativa ao falar apenas de atos praticados (e não de casos sob suspeita).

A análise também conclui que o prazo de 48 horas para a defesa é curto e resultado da adoção de um entendimento sobre migrações não mais acolhido no Brasil principalmente após a edição da Lei da Migração.

“Conforme toda a literatura jurídica brasileira e sob qualquer compreensão, por mais draconiana que seja, da extensão das garantias processuais, a defesa abrange não apenas a elaboração de uma petição, mas a produção de provas, análise de documentos, perícias, oitivas e, como parece óbvio, o necessário depoimento da parte sob ameaça de sanção”, diz o documento, afirmando que as garantias estão na Constituição e na lei do processo administrativo.

“O problema que se detecta é o conteúdo extremamente nocivo da portaria sob comento, que viola os padrões mínimos de devido processo legal segundo a legislação brasileira e os parâmetros internacionais de direitos humanos e traz um grave retrocesso frente ao trabalho construído pelo Estado brasileiro, ao longo de anos, para a consolidação dos direitos de não-nacionais em seu território”, afirma o texto da DPU.

A DPU também entende que a portaria viola a Constituição por determinar a restrição da publicidade sobre as decisões de deportação ou impedimento de entrada que pudessem vir a ser tomadas.

De acordo com a análise, isso pode prejudicar a defesa do indivíduo afetado pela medida. “Como exercer qualquer defesa, se não há acesso àquilo que é passível desse exercício?”, afirmam os técnicos da DPU. “O sigilo deve ser exclusivamente externo ao sujeito do processo”, completam.

Os técnicos lembram ainda que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 14 que assegura ao defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados em procedimento investigatório que digam respeito ao exercício do direito de defesa.