Na noite deste domingo (17), oito candidatos disputaram o primeiro turno das eleições presidenciais na Bolívia. Com mais de 91% das urnas apuradas, os resultados preliminares divulgados pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) mostraram que o senador Rodrigo Paz Pereira liderou a votação com 32,2% dos votos, seguido por Jorge “Tuto” Quiroga, com 26,9%. No entanto, nenhum deles alcançou o percentual necessário para vencer em primeiro turno. Na Bolívia,para evitar o segundo turno, os candidatos precisavam superar 50% dos votos ou alcançar 40% com uma vantagem de 10 pontos percentuais. As autoridades informaram que a apuração definitiva pode levar até três dias, mas já é certo que os dois disputarão a presidência em um segundo turno, marcado para 19 de outubro.
Esta é a primeira vez, em quase duas décadas, que o ex-presidente Evo Morales, que esteve no poder entre 2006 e 2019, não participa da corrida eleitoral. Morales foi impedido de concorrer novamente, apesar de suas tentativas de reverter decisões judiciais e constitucionais que barraram uma quarta candidatura. Após o terceiro mandato de Morales, o governo boliviano foi presidido por Luis Arce, ex -ministro da Economia no governo de Morales. Arce assumiu a presidência em 2020, mas atualmente amarga profunda impopularidade e optou por não tentar a reeleição. Saiba abaixo quem são os candidatos à presidência boliviana.
Rodrigo Paz Pereira
Rodrigo Paz Pereira nasceu em 1967, na Espanha, durante o exílio de sua família no período das ditaduras militares na Bolívia. Poucos anos depois, retornou a La Paz, onde estudou Economia e Relações Internacionais. Com uma trajetória marcada pela política desde antes de seu nascimento, o atual senador e candidato do Partido Democrata Cristão (PDC) busca seguir os passos do pai, o ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-1993), e conquistar o Palácio Quemado.
Seu programa de governo, batizado de Agenda 50/50, é estruturado em três eixos. O principal defende a redistribuição do orçamento nacional — atualmente concentrado em cerca de 85% nas mãos do governo central — em partes iguais entre União, entidades regionais e universidades públicas. A proposta do PDC também inclui ampliar linhas de crédito acessível, conceder incentivos fiscais para fortalecer a economia formal e eliminar barreiras de importação de produtos que o país não fabrica.
Durante a campanha presidencial, Paz destacou o combate à corrupção e a necessidade de descentralizar o poder econômico, resumindo sua mensagem no slogan: “capitalismo para todos, não apenas para poucos”. Após o primeiro turno, convocou apoiadores a se mobilizarem por uma “vitória retumbante” no segundo, afirmando em ato público que seu projeto é “de todos e para todos” e que governar exige a inclusão da maioria.
Jorge “Tuto” Quiroga
Nascido em Cochabamba (Bolívia) em 1960, Jorge Quiroga estudou Engenharia Industrial no Texas e concluiu mestrado em Administração de Empresas. Após uma breve experiência no setor privado boliviano, ingressou na política e hoje integra a coalizão Alianza Libre.
Sua trajetória nacional ganhou destaque no início dos anos 2000: após ser vice de Hugo Banzer — ex-ditador militar posteriormente eleito presidente —, Quiroga assumiu interinamente a presidência entre 2001 e 2002, tornando-se um dos líderes mais jovens da história da Bolívia. Duas décadas e três tentativas frustradas depois, ele tenta novamente chegar ao topo do Executivo.
Quiroga construiu a imagem de um tecnocrata defensor da abertura econômica, do fortalecimento dos mercados internacionais, do controle fiscal e da modernização do Estado. No domingo (17), após a confirmação de sua ida ao segundo turno, comemorou o resultado, parabenizou o adversário e exaltou a participação popular. “A Bolívia disse ao mundo que queremos viver em uma nação livre. É uma noite histórica”, afirmou em um evento público, acrescentando que o país caminha para “um futuro melhor” graças “ao poder do voto”.
A relevância da eleição presidencial boliviana no cenário mundial
Esta é a primeira vez em duas décadas que a Bolívia vai eleger um presidente que não é da esquerda, confirmando o fim de vinte anos de governo do Movimento ao Socialismo (MAS). A guinada do país para a direita ocorre em meio à sua pior crise econômica em anos, com escassez de combustíveis, reservas internacionais e alguns alimentos, além de alta inflação e endividamento interno.
A eleição de um presidente fora do campo da esquerda provavelmente trará mudanças significativas na política externa do país latino-americano. No âmbito comercial, a postura capitalista de ambos os candidatos pode indicar maior apoio ao investimento estrangeiro nas vastas reservas de lítio, ingrediente essencial para a fabricação de baterias usadas em muitos carros elétricos, laptops e painéis solares.
Politicamente, a mudança de governo pode sinalizar um estreitamento das relações com os EUA, após duas décadas de fortalecimento dos laços da Bolívia com a China, Rússia e Irã. Na última década, a Bolívia se tornou um ponto estratégico para os três paises supracitados na América Latina. Pequim investiu mais de US$ 3 bilhões em setores críticos, como lítio e energia. Moscou assinou acordos diretos de cooperação militar e de inteligência. Teerã construiu uma rede de projetos diplomáticos, médicos e de inteligência tão influente que alguns analistas chamam a Bolívia de “o projeto de política externa mais bem-sucedido do Irã na América Latina”. Essas alianças não apenas empurram o futuro da Bolívia ainda mais para o campo autoritário, como também fortalecem regimes autoritários vizinhos, como os da Nicarágua e da Venezuela. A Bolívia é uma nação rica em recursos estratégicos, visados por grandes players internacionais e é importante observarmos a repercussão do futuro da política boliviana para o país e na América Latina.