Protagonista e co-roteirista da peça, Wagner afirma que não haverá paralelos diretos com o Brasil na adaptação do texto do norueguês Henrik Ibsen (1828–1906), um dos fundadores do teatro realista moderno, na sua versão.
“É mais uma coisa que a gente estava sentindo, do que estava nos inquietando e se refletia naquela obra. É claro que as coisas que acontecem no Brasil e no mundo nos inquietam. Então, foi mais um reflexo do que um paralelo direto. Você não vai ver, talvez, uma citação direta a um fato objetivo que aconteceu, é mais uma sensação”, pontua o ator, durante coletiva de imprensa, nesta segunda-feira (22).
Jornalista por formação, Wagner aproveita para pontuar como a profissão tem sido descreditada no atual cenário político mundial e afirma que esse é o tipo de tema que será abordado no espetáculo.
“O jornalismo vem sendo propositalmente desacreditado na forma como as pessoas se informam. Isso tudo está discutido na peça, mas não de uma forma ligada a um evento específico. É claro que, como somos brasileiros, a gente vive todas essas questões”, acrescenta.
Situação do teatro baiano
Questionado pela situação que o ofício na Bahia se encontra, e como a vinda dessa peça pode impactar positivamente no fomento à arte no estado, Wagner diz esperar poder “movimentar a cena cultural”. “O teatro, em qualquer lugar, depende de incentivos públicos. E eu acho que isso não está acontecendo, e lamento que não esteja acontecendo nos últimos governos do PT na Bahia”, aponta.
Para o ator, fruto do cenário do teatro baiano dos anos 90, época do mandato governamental de Antônio Carlos Magalhães, diz foi “uma época muito positiva para o teatro profissional do estado”.
“Esse período de alta aconteceu durante o governo de ACM. E me dá uma angústia muito grande dizer isso, mas é verdade. Não quero criar polêmica com a Secretaria de Cultura da Bahia, nem com a quantidade de dinheiro destinado à cultura, mas acho mesmo que governos de esquerda deveriam, por natureza, incentivar muito mais e, sobretudo, neste caso específico, o teatro profissional”, criticou o ator, em referência às gestões governamentais do PT no estado, desde Jaques Wagner, em 2007 até Jerônimo Rodrigues, atualmente.
“Eu me formei e existo como artista porque, justamente, na minha época de formação, vivi uma ebulição do teatro, em que pude ver Carmen Paternostro, DeolindoCheccucci, Márcio Meirelles, Fernando Guerreiro — essas pessoas trabalhando no seu potencial mais alto. Pude ver os atores da Bahia, como Jackson Costa, e o que a Bofetada fez ao trazer público para as salas. Fafá Menezes, Carlos Betão, Rita Semani, uma quantidade de atores que me formaram ao vê-los”, relembrou.
Para o mesmo, uma geração de atores locais terem referências profissionais somente do eixo Rio-São Paulo é “ruim” para a autoestima do teatro baiano e, sobretudo, para a sobrevivência profissional dos que vivem de teatro. “É foda ver um ator incrível e perceber que ele não consegue viver disso e precisa ter um emprego em outra área. Isso me dói. Tem atores como Lúcio Tranchesi, Marcelo Praddo, atores que fizeram minha cabeça, e eu quero ver eles ocupando o lugar que merecem”, reinvidica.
“Não só na Bahia, mas no Brasil, precisamos de atenção do governo. A sequência do PT não tem feito o que deveria fazendo. Sei que o cobertor é curto, que a verba também é limitada, porque, tradicionalmente, a cultura no Brasil é subfinanciada. Bom que apoiam manifestações culturais do interior da Bahia, que eu acho incríveis, e que devem acontecer. Mas o teatro profissional, eu sinto que está abandonado e precisa de mais atenção”, aponta o ator.
Manifestações pela democracia
O artista, que subiu ao lado da cantora Daniela Mercury no trio elétrico, no último domingo (21), para manifestar contra a PEC da Blindagem e contra a anistia dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado, reforça a importância da região Nordeste na luta pela democracia no Brasil.
“Aqui a extrema-direita não se cria. Fiquei pensando nos caras que a polícia rodoviária parou naqueles ônibus para impedir que eles votassem, e os caras desceram, foram andando para votar, andando no sertão da Bahia”, diz.
“Essa, para mim, é uma compreensão do que seja democracia muito mais profunda e bela do que quando eu vejo esses caras lá do Congresso. O equilíbrio entre poderes, ele é a base do sistema. Impressionante como essas pessoas perderam a cara, a vergonha de falar essas coisas. É como se nós, o que nós pensamos, não importasse mais”, acrescenta Wagner. Para o mesmo, as manifestações ontem foram uma “clara” resposta ao movimento feito na política atualmente.
Questionado a respeito da ausência de mais artistas baianos no protesto, afirma que ninguém é “obrigado” a se pronunciar. “Quem tem que falar é quem quer falar. E, quando você abre a boca, você tem que segurar o rojão depois. Então, não é para todo mundo mesmo. Tem gente que se preserva, que não quer. E eu entendo completamente. Eu não acho que as pessoas devam ser pressionadas a se colocar se elas não estiverem prontas para isso”, esclarece.
Diálogos com a direita
Ao produzir a peça, Wagner Moura afirma seu desejo de se “dialogar com a direita”, mas lamenta não poder fazer isso no Brasil. “A gente quer bem-estar social, a gente quer cultura, a gente quer que as pessoas tenham um monte de coisa, que o Estado entre e faça um monte de coisa. E a direita com a qual eu queria dialogar pergunta assim: “Ok, e quem vai pagar por tudo isso que você está querendo?”. Essa é uma pergunta válida, é uma discussão importante”, provoca.
“Isso vai aumentar a carga tributária? De onde sai esse dinheiro? Eu queria ter esse tipo de conversa, mas não tem. Aqui é negócio de “toma o visto dele”. E a gente levanta essa discussão na peça. Será muito equilibrada. Os dois pontos de vista estão ali”, conclui Wagner.
Bahia.Ba




































