Ao completar três anos no cargo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tornou-se uma voz mais solitária do que nunca na defesa das bandeiras liberais no governo. Movido por uma resiliência surpreendente e pelo que define como “senso de compromisso e de responsabilidade com 200 milhões de brasileiros”, ele procura levar adiante a sua agenda de reformas e de modernização do Estado, apesar das seguidas rasteiras que leva do presidente Jair Bolsonaro e da oposição escancarada de colegas da Esplanada dos Ministérios e de parlamentares ligados à base governista no Congresso.

O ministro reafirma a sua disposição de seguir em frente e exalta a “relação de respeito” que mantém com Bolsonaro. Como apurou o Estadão, Guedes continua a desempenhar o papel de Dom Quixote do liberalismo em Brasília, mas está se exaurindo no processo. Parece ser mais forte do que ele próprio a determinação de tentar fazer a “coisa certa”, em meio a um grupo de ministros cujas ideias são mais próximas do nacional-desenvolvimentismo predominante no regime militar e repaginado nos governos do PT. De acordo com relatos feitos por diferentes fontes, Guedes procura manter o equilíbrio nas contas públicas, mas muitos de seus pares conspiram a céu aberto para abrir os cofres, esperando com isso azeitar a campanha de reeleição de Bolsonaro e – acima de tudo – as suas próprias campanhas.

Nesta entrevista, realizada no escritório do Ministério da Economia em São Paulo, na avenida Paulista, Guedes fala sobre a sua “frustração” com o ritmo das reformas e a “falta de apoio” para implementar a sua agenda liberal. “Não tive o apoio que tinha de ter”, diz. “Nós entramos com uma plataforma que é o resultado de uma aliança de conservadores e liberais, que funcionou politicamente para a eleição, mas a engrenagem não girou. Essa aliança não conseguiu nem implementar as propostas dos conservadores, porque os liberais têm valores um pouco diferentes, nem as reformas liberais, porque às vezes têm fogo amigo dos conservadores.”

Guedes fala também sobre o crescimento da economia em 2022, a situação das contas públicas, as privatizações dos Correios e da Eletrobras, a proposta de reduzir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), para turbinar a “reindustrialização” do País, e o corte de tributos dos combustíveis. Em resposta aos críticos que o chamam de “ministro da semana que vem”, por suas propostas supostamente não se concretizarem, ele afirma que não dá para deixar de lado a pandemia na avaliação de seu desempenho no ministério. “Há muita militância e falsas narrativas, por desinformação mesmo e talvez por falhas nossas de comunicação, mas também por desonestidade intelectual. Acho profundamente desonesto ignorar o impacto da pandemia – uma crise sanitária de proporções nunca vistas antes, em que mais de 600 mil pessoas perderam vidas e empresas foram destruídas – na agenda econômica.”

O sr. acabou de completar três anos de governo. Há uma percepção de que não conseguiu levar adiante a sua agenda liberal, defendida na campanha eleitoral e ao longo de sua gestão. Dizem que as reformas estão paradas, as privatizações não saíram e a abertura econômica não andou. Como o sr. vê essa percepção?
É evidente que as reformas ambiciosas que nós defendemos não estão andando na velocidade em que gostaríamos. Naturalmente, há uma frustração nossa com o ritmo das reformas. Então, em parte, é uma percepção razoável, mas em parte é completamente injusta. Hoje, há uma politização muito radicalizada no Brasil e isso desfavorece a compreensão do que está acontecendo. Há muita militância e falsas narrativas, por desinformação mesmo e talvez por falhas nossas de comunicação, mas também por desonestidade intelectual. Por exemplo: acho profundamente desonesto ignorar o impacto da pandemia – uma crise sanitária de proporções nunca vistas antes, em que mais de 600 mil pessoas perderam vidas e empresas foram destruídas – na agenda econômica. Todas as narrativas reconhecem que a pandemia foi algo terrível, que efetivamente foi, uma tragédia de dimensões planetárias. Mas, quando se fala do seu impacto na economia, as cobranças são como se não houvesse uma guerra e como se, nos três anos em que estamos aqui, dois não tivessem sido voltados à pandemia. Na verdade, só tivemos um ano de tranquilidade, que foi o primeiro ano de governo, tomado pela reforma da Previdência.

De que forma a pandemia afetou a agenda de reformas?
A pandemia mudou todo o nosso cronograma. No primeiro ano, a prioridade absoluta era o controle de despesas do governo. Além da reforma da Previdência, entregamos a reforma administrativa para o Executivo examinar e a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo para o Senado, que era um marco de controle fiscal. No segundo ano, o plano era fazer a reforma tributária e acelerar as privatizações. Já havíamos começado a vender subsidiárias de estatais e entraríamos nas maiores empresas. Aí, quando chegou a doença, saímos do trilho das reformas e fomos atacar a pandemia. Quem é que iria falar de privatização no meio da pandemia? Ainda assim, conseguimos R$ 230 bilhões com as vendas de subsidiárias de estatais, que não demandavam mudanças constitucionais, em dois anos, e desalavancamos os bancos públicos em mais R$ 220 bilhões. Em quatro anos, no mesmo compasso, daria quase meio trilhão em privatizações.

É verdade que, no ano passado, as privatizações não andaram. Alguns liberais deixaram o governo por causa disso. Agora, eu pergunto: alguém antes privatizou R$ 230 bilhões em dois anos? Só lá atrás, nas grandes privatizações, que eu acho que faremos agora: Correios, Eletrobras, Porto de Vitória, Porto de Santos e os aeroportos Santos Dumont e Congonhas. O pessoal fala “ah, mas você não abriu a economia”. Como é possível cobrar a abertura quando a economia enfrentou dois anos de guerra? A economia mundial fechou. Mesmo neste cenário, baixamos pela primeira vez a tarifa do Mercosul, em 10%, para 94% dos produtos. Também demos sequência ao processo de ingresso do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e avançamos com o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

Ao longo de sua gestão no Ministério da Economia, o sr. anunciou diversas medidas que, no fim, acabaram não saindo. Muitos analistas passaram a chamá-lo de “ministro da semana que vem” e coisas do gênero. O que aconteceu? No começo do governo, o sr. falava em “mais Brasil e menos Brasília”? Brasília venceu?
Eu cometi um erro. Sabem qual foi? Dividi com vocês essas metas todas que eu tinha e a oposição a essas mudanças importantes, dentro e fora do governo, rapidamente descredenciava os projetos mais ambiciosos. Os oposicionistas, que sempre foram contra as reformas, ganhavam uma força adicional de gente de dentro. Sempre houve fogo amigo, sempre há e sempre haverá. Havia também uma enorme barreira às mudanças, decorrente de uma hegemonia social-democrata no establishment, na mídia, no meio empresarial. Foram trinta anos de relações estabelecidas que poderiam estar sofrendo uma ruptura. A esquerda teve o grande mérito após a redemocratização de incluir os mais pobres nos orçamentos públicos, mas não teve a capacidade de fazer a transformação estrutural necessária, acabar com as empresas campeãs, cortar subsídios, e nós entramos querendo implementar esse programa.

Então, eu achava muito importante que a gente mantivesse não só a equipe motivada, mas o governo inteiro sabendo qual era a meta. Se você não tem uma coalizão parlamentar, e nós não tínhamos quando chegamos, como vai transmitir alguma coisa para a equipe? Você tem de dizer “queremos privatizar estatais”, “queremos fazer uma reforma da Previdência”, “queremos fazer uma reforma administrativa”. Aí, eu percebi que você consegue mais se não compartilhar tanto as metas, porque as narrativas nem sempre são construtivas. São parte de uma cultura de quem não quer reconhecer que perdeu a eleição. Por isso, tenho falado menos.

Estadao