O Ministério Público Federal no Paraná programava criar um fundo privado para gerenciar recursos restaurados na Operação Lava Jato. O programa previa a constituição de uma fundação de direito privado para enviar parte dos recursos a ações sociais, em áreas como saúde, educação e meio ambiente.

Esse compromisso é resultado de um outro acordo, firmado em 2018 entre Petrobras e autoridades americanas, para cancelar investigações nos Estados Unidos de irregularidades na estatal. Ficou acertado na ocasião que 80% do valor seria depositado no Brasil –exatamente os R$ 2,567 bilhões. O restante vai permanecer nos EUA.

Essa prática de criar um fundo pecuniário para pagar possíveis credores de ações e acordos judiciais provenientes da estúpida corrupção instaurada na Petrobras é comum nos Estados Unidos. Normalmente, em situações dessa magnitude o Ministério Público estrangeiro junto com o Judiciário costuma realizar pactos prévios para diminuir o número de ações judiciais contra o réu e criam um grande fundo onde são depositados a quantia resultado deste convênio para pagar possíveis autores de ações objetivando a restituição do valor das ações.

Essa prática não é nova aqui no Brasil. Já existe um exemplo em prática atualmente que se assemelha com o Fundo da Lava Jato. Chamado de “Acordo dos Planos Econômicos”.

No dia 1º de março de 2018, o Supremo Tribunal Federal validou o acordo firmado entre Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Banco Central (Bacen), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Frente Brasileira Pelos Poupadores (Febrapo), sobre os planos econômicos Bresser de 1987, Verão de 1989 e Collor 2 de 1991.

Mas o que diferencia este convênio dos Planos Econômicos com o convênio da Lava Jato?

Basicamente, além do dinheiro depositado provenientes do quantum que foi resgatado pela operação Lava Jato de R$ 2,567 bilhões, os procuradores pretendem “gerir” tal fundo para alocar tal recurso em “saúde, à educação, ao meio ambiente, à proteção daqueles em situação de vulnerabilidade social e à segurança”.

Entre os objetivos e características da fundação listados pelo MPF, estão:

  1. institucionalização de procedimentos, estruturas e instrumentos de governança

  2. reforço na luta da sociedade brasileira contra a corrupção

  3. reparação, proteção e promoção de direitos que são afetados pela corrupção, como o direito à saúde, à educação, ao meio ambiente, à proteção daqueles em situação de vulnerabilidade social e à segurança

  4. autonomia “jurídica, administrativa, financeira, institucional e programática” da fundação

Ora, não é competência do Ministério Público ter autonomia jurídica, administrativa, financeira, institucional e programática deste montante depositado no fundo. O MP é órgão público e vive apenas do que previsto no orçamento aprovado pelo legislativo.

Outra coisa, como bem disse o Ministro do STF Edson Fachin: “não cabe ao Judiciário decidir como utilizar as receitas recuperadas nos processos, e sim à União”. Os procuradores têm de tomar cuidado já que tal medida poderá demonstrar que a ideia de criar a fundação reforça as acusações de politização da Força-Tarefa em Curitiba. O mestre em direito penal pela USP, Marcelo Semer, bem diz: “A ideia de uma fundação é uma mostra do ânimo de pessoalidade destes membros. No fim, é um controle de um grupo sobre o dinheiro que deve ser do país”

Além disso, para a PGR, na pessoa da Procuradora Geral da República Raquel Dodge, ao assumir a responsabilidade em gerir e aplicar os valores, os procuradores da “lava jato” “desviaram-se de suas funções constitucionais (…) em situação absolutamente incompatível com as regras constitucionais e estruturantes da atuação do Ministério Público, violando a separação das funções de Estado e da independência funcional dos membros do MP”.

Felizmente a ideia já foi suspensa por enquanto. Em nota divulgada, os procuradores disseram que o “debate social existente sobre o destino dos recursos” os fez repensar e suspender a criação do fundo, dizendo que consultarão a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União.

Como estudioso do Direito e curioso da política, preciso alertar os grandes procuradores da Lava Jato que tomem cuidado com o tamanho da autonomia que pretendem ter em questão a condução da Operação Lava Jato. Sem dúvidas que tais membros da força tarefa gozam de um prestígio enorme perante a sociedade, porém querer utilizar e destinar dinheiro público ao bel prazer é avançar demais em suas competências constitucionais e botar em cheque todo prestigio construído ao longo dos anos da Lava Jato.

Sou a favor do Fundo como resguardo para credores da Petrobras terem seus direitos salvaguardados. No entanto, estender a atuação do MP para destinar esse dinheiro a obras sociais e políticas públicas é adentrar o papel do Poder Executivo.

Precisamos ter cuidado para a Lava Jato não se tornar um monstro que se voltará contra nós no futuro.

Hugo Azi é advogado formado pela faculdade Ruy Barbosa, Pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV/SP, sócio do escritório Carlos Andrade Advogados Associados e colunista do site News Infoco